Um Mouro no samba

 

Em meio às notícias de uma guerra particular, um cantinho de São Cristóvão, região central do Rio de Janeiro, se ilumina, não com as rajadas de uma AR-15, mas sim com o espocar de centenas de fogos de artifício. A comunidade do Morro do Tuiuti se prepara para escolher o samba-enredo que abre o carnaval carioca.

Espremida entre as lajes de um viaduto, a quadra da escola de samba “Paraíso do Tuiuti” se enche em instantes, 3 mil pessoas exibem suas melhores roupas e seus melhores sorrisos. Na expectativa da escolha, as horas passam embaladas em velhos sucessos do carnaval carioca e em pagodes de fundo de quintal. Rodas de samba se abrem no meio da multidão, passistas anônimos se revelam e são ungidos instantaneamente como ídolos populares. As coreografias e os requebros desafiam qualquer lei da física ou da anatomia humana. Mulheres belíssimas carregam o ar com a sensualidade insinuante das cabrochas cariocas. Homens elegantíssimos rodopiam como piões enlouquecidos.
De repente, todos concentram seus olhares para o centro da quadra. Os diretores de harmonia fazem um semicírculo abrindo passagem para um dos momentos mais esperados da festa, a apresentação do mestre sala e da porta bandeira. Não há como não se emocionar com a leveza dos passos e a elegância das reverências ao pavilhão sagrado da escola. O tempo se congela em movimentos sincronizados, marcados apenas pelo ritmo dos surdos, dos tamborins e da batida dos corações de quem tem o privilégio de assistir tamanha expressão de beleza.
Depois de sucessivos fins de semana classificatórios, se aproxima a hora de escolher o samba-enredo da escola. A Tuiuti resolve inovar mais uma vez e dá voz a comunidade. O voto direto do público presente é fundamental nesta eleição. A disputa é acirrada, os três melhores chegam a final em idênticas condições. Cada um, em sua apresentação, tem sua torcida organizada munida de faixas, bonecos, fantasias, balões coloridos, bandeiras, muita empolgação e alguma ansiedade. A deliberação é longa e tensa até que a diretoria anuncia o vencedor.
Algumas pessoas deixam a quadra contrariadas, mas o sentimento geral é que a escola que tinha apenas um tema na cabeça de seus integrantes, “Um Mouro no Quilombo”, agora tem em sua garganta o seu hino oficial. Ânimos serenados, a escola começa a experimentar as fantasias, montar os carros alegóricos, afinar os instrumentos da bateria e decorar a letra do samba-enredo escolhido.
A “Paraíso do Tuiuti” pede passagem, a avenida vai ser pequena para conter a alegria de uma comunidade que não tem patrono, não tem dinheiro, mas que viu na aventura de um mouro no Brasil o reflexo de seu esforço para se manter no grupo especial do carnaval carioca.
Olha o Mouro aí gente!!!

Autor: Di Moretti